segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Sem "patrimônio comum": por que a Internet não pode ser regulada como o mar, por Matthew Matechik

Na era digital de acelerada evolução, o jogador mais forte no cenário internacional não é necessariamente o Estado com maiores armas ou o maior número de soldados. Ao contrário, é o ator cibernético, o qual pode ou não pode ser um Estado, quem é capaz de forma mais eficaz aproveitar a Internet para atingir os seus objetivos. Como os antigos capitães do mar, esses atores navegam pelo labirinto da Internet para descobrir, para comercializar, para saquear e para conquistar. Pacotes de dados digitais são seus navios. A Internet é o seu mar.

Como o mar, a internet circunda o globo. Como o mar, a Internet é usada para atividades benignas, como o comércio e o lazer, mas também para atividade malignas, como o roubo e o conflito. O mar tem marinheiros e piratas; a internet tem profissionais cibernéticos e hackers. A comparação parece adequada e levanta a questão: o Direito Internacional pode regular a Internet da mesma forma que regula o mar?

As semelhanças entre a Internet  e o mar como veículos transmissores sugerem que os princípios internacionais que regem o uso do mar poderiam efetivamente ser aplicados ao uso da Internet. Após exame, todavia, essa teoria se desmorona rapidamente por vários motivos. Talvez o mais importante obstáculo é a falta de uma “patrimônio comum” para a Internet. O “patrimônio comum” é o componente fundamental que tem permitido o direito do mar se desenvolver.

Os costumes que regem o uso do mar provavelmente começaram a surgir quando os seres humanos encontraram outros seres humanos pela primeira vez no mar.  Esses costumes cresceram para além do reconhecimento de que o mar era um espaço compartilhado incrivelmente vasto que nenhuma nação poderia possuir como se faz com o território terrestre. O mar foi reconhecido como patrimônio comum da humanidade. Nesse espaço compartilhado, fraçoes de mar cruzam tanto com aliados, como com inimigos. Costumes e leis continuaram a se desenvolver ao longo dos milênios para regular esses encontros. Como o acesso humano ao mar aumentou, as normas internacionais também aumentaram, incluindo a codificação de muitos desses costumes na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM).  Estas leis foram baseadas na ideia de que todos os seres humanos receberam o direito ao mar porque era um patrimônio comum. As leis promoveram o uso compartilhado do mar, ao mesmo tempo em que dissuadiram ações ilegais no mar.
Como um fenômeno recente, o Internet não tem esse “patrimônio comum”, embora tenha-se tornado um recurso comum. A Internet tem origem em um projeto de pesquisa feito pela Agência de Pesquisa Avançada de Projetos de Defesa (DARPA), durante a década de 1960. A sua utilização cresceu exponencialmente até que se tornou a super-rede verdadeiramente globalizada dos dias de hoje, chegando a uma estimativa de 3 bilhões de pessoas. Por que os Estados Unidos foram o principal impulsionador da rápida adesão da Internet, os seus padrões de infra-estrutura e uso desenvolveram de tal forma que a maior parte do tráfego de internet do mundo passa pelos Estados Unidos. Esta posição oferece vantagens e oportunidades exclusivas para os Estados Unidos a que os  Estados Unidos não devem renunciar.


Outras nações têm mais recentemente tomado medidas para fixar a sua própria posição em relação à Internet, que também lhes oferece vantagens únicas e se alinha a seus interesses. Por exemplo, a China tem erguido "O Grande Firewall" em torno de usuários chineses de internet, permitindo à China censurar quais dados podem ser acessados por usuários chineses. A China está aproveitando seu poder de Internet para promover seus interesses em detrimento da liberdade no uso e acesso à Internet. Enquanto isso, na União Europeia, alguns líderes europeus estão defendendo novas regulamentações da Internet que poderiam fortalecer a situação das empresas européias de tecnologia contra os seus congêneres americanos. O fortalecimento do espaço digital não deverá permitir que a comunidade internacional adote uma  "liberdade da Internet", em semelhança com a liberdade dos mares. Muito pelo contrário, de fato, a tendência parece ser o aumento das restrições à utilização pública.

Mesmo que a comunidade internacional caracterize a Internet como um recurso a ser compartilhado por todos, a regulação parece ser tecnicamente impossível, pelo menos no momento, já que o tráfego de Internet não pode ser corretamente quantificado e observado, como pode ser feito com as embarcações marítimas. Regulamentos do mar são exequíveis em grande parte porque os países são capazes de observar um número significativamente quantificável de navios e reagir, empregando a medida legal apropriada. No mar, o regulador pode, por exemplo, reagir à atividade ilegal ao embarcar em um navio e procurar por aquela.

Na internet, o regulador deveria igualmente fazer inspeções de alguma maneira, mas há demasiados pacotes de dados para analisar. Até o final de 2016, um número estimado de 1.000.000.000.000 gigabytes de dados irá passar pela Internet anualmente. Esse número é muito grande para se compreender o seu significado. Encontrar a atividade ilegal dentre aquela enorme quantidade de dados e reagir de forma adequada e ainda promover a liberdade na Internet é tecnicamente impossível, dado o estado atual da tecnologia. Há simplesmente dados demais na internet.

A falta de “patrimônio comum” para a internet e as limitações tecnológicas na aplicação generalizada torna a aplicação dos princípios da lei do mar à Internet impossível atualmente. A comunidade internacional deve conduzir a Internet com uma nova perspectiva que considere suas características modernas e únicas. A Convenção do Conselho Europeu sobre o Cibercrime, que entrou em vigor em 2004, é atualmente a principal convenção internacional nesta matéria. A Convenção identifica numerosos crimes cibernéticos que os signatários devem abordar em suas legislações penais nacionais, exige que certos procedimentos de aplicação da lei sejam postos em prática, e exige que os signatários cooperem para investigar e processar crimes cibernéticos. A Convenção foi ratificada por quarenta e sete Estados até agora, e foi assinada por outros sete.

A Convenção apresenta algumas promessas reais, pois ele aborda exclusivamente questões cibernéticas e tem tido ao menos alguma adoção. No entanto, ela ainda carece de maior utilidade global, porque faz pouco para resolver questões cibernéticas relativas à relação entre Estados e carece de adesão de algumas ciber-potências, nomeadamente China e Rússia. A não adoção generalizada implica que atores cibernéticos com interesses concorrentes tenham um longo caminho a percorrer antes que sejam capazes de chegar a um acordo sobre uma regulamentação internacional que funcione de forma tão eficaz como os regulamentos sobre o mar.


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