terça-feira, 7 de agosto de 2012

Os juristas que queriam dominar o mundo


A cena: Era uma assembleia de grandes pensadores, entusiastas, populares, malucos e outros tantos mais; todos reunidos nos idos dos séculos XVII-XVIII com o intuito de, por terem finalmente derrubado o regime absolutista, fundar a sociedade em sólidas bases democráticas. 

Daí que, não podendo ser diferente, eram enunciados sem trégua grandes máximas republicanas: de que todo poder, em verdade, emanava do povo e que, por isso, era ele quem deveria eleger diretamente os seus representantes, se impossível o exercício direto do poder.

E que tudo isso era bastante claro graças as luzes da razão. Ela havia se libertado das trevas da ignorância moral daqueles que não reconheciam nos homens o óbvio:  a dignidade de serem eles capazes de, por si mesmos, serem donos de seus próprios destinos e, em conjunto, poderem escolher o destino de todos como iguais.

E nada parecia ser mais democrática do que aquela assembléia! Todos opinavam. Uns mais afoitos, queriam a democracia direta, outros insistiam na importância de uma Carta Constitucional que prevenisse usurpações de poder. Quanto a isso todos concordavam. Alguns concordavam tanto com isso que queriam uma Constituição com mais regras que princípios porque "princípio todo mundo interpreta a seu modo, ninguém os leva a sério!", argumentavam.

Mas o argumento que venceu o impasse constitucional foi o de um sujeito simples, calado, que havia passado toda a assembleia ao seu canto: "se for para fazer Constituição com regras ela vai ficar muito grande, ninguém vai querer ler", ele dizia. E foi assim que o senso prático já naqueles tempos se sobressaiu.

Passados os debates e exaustos por causa da democracia, já estavam todos muito bem acordados quanto à Constituição e os seus princípios fundantes. Eis que ao final da sessão, dois rapazes, sabidamente de reputação ilibada e notório saber jurídico, questionaram: "e a quem cabe interpretar os princípios constitucionais? Ao povo? Porque o povo, meus caros, nada sabe de direito!".

Um burburinho novamente tomava conta da assembléia e, ao fundo, uma convicção: o povo deveria ele mesmo interpretar a Constituição. Mas como? O povo mal sabia ler!

Daí que os dois juristas propuseram aquilo que parecia a solução óbvia: "o povo que, data máxima vênia, nada sabe de direito, deverá confiar a interpretação da Constituição a nós juristas!". E continuaram: "ninguém mais do que nós, doutores em leis, para saber qual a melhor forma de se interpretar a  Constituição". E mais: "tal organização de juristas intérpretes da Constituição deverá ter um número limitado de pessoas, que é para evitar confusão. Mesmo porque não é correto se ter confusão em um Tribunal que, por toda a sua importância democrática, pudesse ser chamado de 'Supremo' ou algo parecido". E concluíram: "e isso, excelentíssimos amigos, falamos, é claro, com a devida  vênia ao povo".

Toda a assembléia se quedou espantada com tamanho glamour e convicção de fala daqueles sujeitos. E  bem que também lhes parecia óbvio aquele ponto de vista. Mesmo assim, a assembléia não se furtou em exigir vivamente: "que esses tais juristas tenham a reputação ilibada e notório saber jurídico tal como os senhores!".

E dessa epifania democrática, não do povo, mas em nome do povo, dois juristas pensaram em dominar o mundo inteiro e, sabe-se lá por que, nada conseguiram. Outros juristas, mais práticos, dominam países inteiros que, tal como aquela assembléia, possuem pouca experiência democrática.

E o senso prático prevalece ainda nos dias de hoje!

Data vênia, é claro.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Leitura do texto "A Existência Ética", de Marilena Chauí

Neste vídeo veiculado pela UNIVESP TV, o educador Fernando Fonseca apresenta as principais ideias expostas pela filosofa Marilena Chauí em seu texto "A Existência Ética". Neste texto, a filosofa apresenta conceitos basilares da Ética, tal como o de valores éticos, o de virtude e o de sujeito moral.


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Norma Jurídica e Hermenêutica, por Alexandre Travessoni


Esta semana veiculo a conferência dada pelo professor Alexandre Travessoni intitulada "Norma jurídica e Hermenêutica". O conferencista explora a diferenciação entre regras e princípios, trabalhando, entre outras, as teses de BobbioDworkin, Hart e Kelsen sobre o tema. Além disso, são expostas as semelhanças e diferenças entre as teorias hermenêuticas de Dworkin para com as dos ditos positivistas, principalmente Hart e Kelsen.



quarta-feira, 4 de julho de 2012

Justiça - Um filme de Maria Augusta Ramos

O documentário "Justiça" fornece um retrato da justiça penal brasileira. Mostra a manutenção de um procedimento persistentemente inquisitivo na investigação e julgamento de crimes praticados, por excelência, por uma classe econômica menos favorecida.
Também expõe de forma seca e sem rodeios a relação entre acusados e juízes, promotores e defensores públicos,  mostra a realidade dos presos e de suas famílias, e também dos juízes e defensores públicos.Vale a pena conferir.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Arendt e o totalitarismo, por Newton Bignotto

Hannah Arendt produziu, sem dúvida, algumas das mais relevantes obras de filosofia política do século XX. Em seu livro "Origens do Totalitarismo" a filosofa aborda a delicada questão da investigação do processo histórico e da conjuntura política, social e ideológica que tornou possível a surgimento do Estado Total. Se bem entendido, o totalitarismo é uma experiência ímpar na história e, por isso, necessita de um aparato conceitual próprio para ser compreendido. Nesse sentido é que é preciso, junto com Arendt, desmistificar o fenômeno e procurar entendê-lo em sua dimensão histórica, como fato não necessário, mas, ao mesmo tempo, concreto, e daí procurar fugir das precipitações e incoerências de explicações escatológicas ou metafísicas. No sentido de apresentar a abordagem de Arendt sobre o tema é que veiculo o excelente texto introdutório do Professor Newton Bignotto (UFMG) publicado na edição 129 da Revista Cult, exclusivamente dedicada a Hanna Arendt. No texto, Bignotto aborda de maneira resumida e precisa os principais conceitos usados por Arendt na busca de se entender o totalitarismo, bem como comenta questões importantes como a dos apátridas, além da repercussão em meio aos marxistas da aproximação arendtiana entre nazismo e comunismo soviético.

Segue o link:

domingo, 29 de abril de 2012

De Platão, Críton, ou o DEVER

O diálogo "Críton" ou ainda "O Dever" é dos mais belos textos produzidos por Platão e tem uma importância especial para o Direito, a Ética e a Política. Muitas das ideias deste pequeno texto platônico, bem como a postura do próprio Sócrates, foram reproduzidas no correr da história do pensamento e se tornaram, algumas vezes, o ideário de importantes escolas filosóficas. É de se admirar, por exemplo, que muito se diz que Sócrates, no "Críton", foi o primeiro positivista da história! O contexto do diálogo, em resumo, é um momento entre a prisão de Sócrates e a sua execução. Preso, Sócrates recebe a visita de um discípulo chamado "Críton", o qual, convencido da injustiça da condenação de seu mestre, forja um elaborado plano de fuga para Sócrates. A posição de Críton fez Sócrates refletir sobre o estatuto da justiça, das leis e da cidadania em Atenas, estabelecendo um trato com Críton: aceitaria a proposta de seu discípulo se, e somente se, restasse demonstrado, após acurada investigação, que a fuga é justa, de outro lado, ficaria para ser executado caso se comprovasse que a fuga é, em verdade, injusta. O final da história é conhecido, o meio não.

De Platão, Críton, ou o DEVER
www.consciencia.org
Tradução: Jaime Bruna.
Personagens: Sócrates e Críton, dois velhos.
( 360 a.C )
Edição virtual: Miguel Duclós

Os números entre colchetes [] se referem aproximadamente à paginação padrão adotada a partir da edição genovesa de Henri Estienne (Stephanus) de 1578 .
Partes do diálogo:
Argumento de Críton (43a-46a)
A resposta de Sócrates (46a-50a)
O Discurso das Leis (50a-54e)
Cena: Uma cela, na prisão de Atenas. 

[43a]
Sócrates- Por que viestes a estas horas, Críton? É madrugada ainda, não é?
Críton- Perfeitamente.
Sócrates- Que horas, precisamente?
Críton- Mal começa a clarear.
Sócrates- Admira-me que o guarda da prisão te haja atendido.
Críton- Ele já se acostumou comigo, Sócrates, de tanto eu freqüentar este lugar; ademais, deve-me alguns favores.
Sócrates- Acabas de chegar ou faz tempo?
Críton- Faz já algum tempo.

[43b]
Sócrates- Então, porque não me acordaste logo e sentaste aí calado?
Críton- É que, por Zeus, Sócrates, em teu lugar, eu não gostaria de passar muito tempo acordado numa aflição assim; estou mesmo admirando, há tempo, a placidez do teu sono. Não te acordei de propósito; para que pudesses gozar quanto mais dessa tranqüilidade. Já muitas vezes antes, em toda a nossa vida, te considerei feliz pelo teu gênio, porém muito mais agora, na presente desgraça, pela facilidade e brandura com que a suportas.
Sócrates- Realmente, Críton, eu destoaria, se na minha idade, me agastasse por ter de morrer em breve.
[43c]
Críton- Outros também, Sócrates, passam por provações assim na mesma idade; no entanto, os anos não os dispensam de se agastarem com a sorte que lhes toca.
Sócrates- Assim é. Mas, afinal, para que vieste tão cedo?
Críton- Para trazer uma notícia, Sócrates, dolorosa e desoladora – não assim para ti, pelo que vejo – mas dolorosa e desoladora para mim e para todos os teus amigos; acho que a poderia contar como uma das que mais o sejam.
Sócrates- Que vem a ser? Chegou de Delos o navio a cuja chegada devo morrer?
Críton- Bem, chegar não chegou, mas calculo que deve aportar hoje, pelo que noticiam pessoas vindas de Súnio e que lá o deixaram. As novas dão a entender que vai aportar hoje, e será fatalmente amanhã, Sócrates que terás de cessar de viver.
Sócrates- Pois bem, Críton, à boa ventura! Se assim apraz aos deuses, assim seja. Todavia, acho que não vai aportar hoje.
[44a]
Críton- Em que te baseias?
Sócrates- Vou dizê-lo. Devo morrer, penso, no dia seguinte ao da chegada do navio.
Críton- Ao menos assim dizem as autoridades competentes.
Sócrates- Por isso, acho que não vai aportar no dia de hoje, mas no de amanhã. Baseio-me num sonho que acabo de ter esta noite. Talvez mesmo tenha sido oportuno não me haveres despertado.
Críton- Como foi o sonho?

Sócrates- Parecia-me que vinha uma mulher formosa, de [44b] lindas feições, vestida de branco, me chamava e dizia: "Sócrates, depois de amanhã poderás ter chegado às férteis campinas de Fétia".
Críton- Sonho esquisito, Sócrates!
Sócrates- De sentido claro, ao que penso, Críton.
Críton- Por demais, penso eu. Contudo, meu pobre Sócrates, ainda uma vez, dá-me ouvidos e põe-te a salvo; porque, para mim, se vieres a morrer, a desdita não será uma só; à parte a perda de um amigo como não acharei nenhum igual, acresce que muita gente, que não nos conhece bem, a mim e a ti, pensará que eu, [44c]
podendo salvar-te, se me dispusesse a gastar dinheiro, não me importei. Ora, existe reputação vergonhosa do que a de fazer caso do dinheiro que dos amigos? O povo não vai acreditar que tu é que não quiseste sair daqui, a despeito de o querermos nós mais que tudo.
Sócrates- Mas para nós, meu caro Críton, é tão importante assim a opinião do povo? A gente melhor, com quem mais importa que nos preocupemos, cuidará que as coisas se terão passado tal como se tiverem passado.
[44d]
Críton- Mas bem vês, Sócrates, que não se pode deixar de fazer caso também da opinião do povo. Os fatos mesmos de agora dizem claro que o povo é capaz de fazer, não os mais pequeninos dos males, mas como que os maiores; basta que entre eles se espalhem calúnias contra alguém.
Sócrates- Oxalá, Críton, fosse o povo capaz de praticar os maiores males, para ser capaz também dos maiores benefícios! Seria esplêndido. Não o é, porém, nem destes nem daqueles. Incapaz de dar o siso, bem como de tirá-lo, ele obra ao sabor do acaso.
[44e]
Críton- Vá lá que assim seja. Mas dize-me uma coisa, Sócrates: estás procurando evitar, não é? que eu e os outros amigos teus, caso saias daqui, venhamos a ser molestados pelos sicofantas, sob a acusação de te subtrair daqui, e obrigados a abrir mão de todos os nossos haveres, ou pelo menos de grossas quantias, ou a sofrer, além disso, qualquer outra pena? [45a] Se é isso que temes, manda o medo às urtigas. É justo que nós, para salvar-te, corramos esse perigo, e maiores ainda, se for preciso. Vamos, dá-me ouvidos e não proceda de outra maneira.
Sócrates- Estou evitando isso tudo, Críton, e muitas outras coisas.
Críton- Pois não tenhas esse receio. Não é muito o dinheiro que certas pessoas querem receber para levar-te daqui e salvar-te. Depois, não vês como são baratos esses sicofantas? Que não seria preciso gastar
[45b] muito com eles? Os meus haveres estão a tua disposição e acho que são suficientes; além disso, caso apreensivo por mim, te pareças não devas despender o meu, aí estão aqueles estrangeiros, prontos a gastar; um, até trouxe exatamente para isso dinheiro suficiente, Símias de Tebas; Cebes também está pronto e muitíssimos outros. Por isso, repito, não seja por este receio que desistas de te salvar; tampouco te embaraces, como dizia no tribunal, com a possibilidade de, partindo, não teres do que viver.[45c] Em muitos lugares, mesmo no exterior, onde fores parar, acharás amizade; se quiseres ir para a Tessália, tenho lá hóspedes que te darão grande apreço e te oferecerão segurança, de sorte que ninguém na Tessália te molestará. Demais, Sócrates, acho que cometes uma injustiça entregando-te, quando te podes salvar; estás trabalhando para que te aconteça exatamente aquilo a que visariam teus inimigos. – a que visaram quando decidiram tua perda. De mais a mais, ao meu ver, atraiçoa também os teus [45d] filhos; podendo criá-los e educá-los, tu queres ir-te, abandonando-os; no que te concerne, fiquem eles entregues à sua sorte; a deles, é natural, será a sorte costumeira dos que caem na orfandade. A gente deve ou não ter filhos, ou sofrer juntamente com eles, criando-os e educando-os. Tu me dás a impressão de estarem escolhendo a sua maior comodidade. Deve-se, porém, escolher o que escolheria um homem bom e de brio, ao menos quando vives dizendo não ter outra preocupação na vida senão a virtude. Eu, sabes? tenho vergonha por ti e por todos nós, [45e] os teus amigos, de que atribuam a covardia de nossa parte tudo o que aconteceu contigo: o teu comparecimento diante do tribunal, quando podias deixar de comparecer; a maneira pela qual o processo mesmo correu; por fim, este desfecho, como que o mais ridículo da história, a impressão de que nos esgueiramos, covardes e sem brio, [46a] sem termos providenciado, nem nós outros nem tu, a tua salvação, possível e realizável se tivéssemos algum préstimo. Evita, Sócrates, que essa pecha, em acréscimo a tua desgraça, caia sobre ti ou sobre nós. Vamos, resolve-te, que já não é tempo de resolver, mas de ter resolvido. Só há porém, uma resolução, e tudo deve estar feito na noite de hoje; se nos demorarmos mais, já não será mais realizável nem possível. De toda forma, Sócrates, dá-me ouvidos e não procedas de outra maneira.
[46b]
Sócrates- Querido Críton! Quão precioso o teu ardor, se alguma retidão o acompanhasse! Não sendo assim, quanto mais insistente, tanto mais penoso. Temos, pois, de examinar se devemos proceder como queres ou não. Quanto a mim, não é de agora, sempre fui deste feitio: não cedo a nenhuma outra de minhas razões, senão à que minhas reflexões demonstram ser a melhor. As razões que alegava [46c] no passado, não as posso enjeitar agora em vista de minha sorte presente; elas se me apresentam como que inalteradas; são as mesmas de antes as que estou respeitando e acatando; se nestas conjunturas, não temos outras melhores para alegar, fica certo de que não cederei absolutamente a tuas instâncias; ainda que, com mais ameaças que as atuais, nos acene o poderia da multidão, como a crianças, com o espantalho das prisões, mortes e confisco de bens. Como, portanto, faremos tal exame o mais acuradamente possível? Será retomando, em primeiro lugar, aquela razão que alegas a propósito das opiniões? Estávamos certos ou errados [46d] ao repetirmos que das opiniões umas devemos acatar, outras não? Ou antes, de eu ter de morrer, era acertado dizê-lo, mas agora se patenteou – não é assim? Que falávamos por falar, mas não passava de brincadeira, futilidade? Francamente, Críton, desejo examinar contigo se aquela razão se nos apresentará um tanto modificada em vista da minha situação, ou idêntica, e se as mandaremos às urtigas, ou lhe obedeceremos. Costumavam dizer, creio eu, os que presumem falar seriamente, mais ou menos o mesmo que eu próprio dizia há pouco: que, das opiniões que os homens formam, a umas se [46e] deve grande acatamento, a outras não. Pelos deuses, Críton, não te parece uma boa norma? Porque tu, tanto quanto alcançam as previsões humanas, não estás em vias de [47a] morrer amanhã, nem poderia ser abalado o teu juízo pela adversidade presente. Portanto, reflete; não achas acertado dizer que nem a todas as opiniões dos homens se deve acatamento, mas a umas sim e outras não? E não às de todos, mas às de uns sim e às de outros não? Que dizes? Não é com razão que se diz isso?
Críton- É com razão.
Sócrates- Logo, acatar as boas, não as ruins.
Críton- Perfeitamente.
Sócrates- Boas não são as dos judiciosos, ruins, as dos sandeus?
Críton- Como não?
Sócrates- Ora bem, em que sentido se faziam tais distinções? Um homem que pratica a [47b] ginástica e segue aquela norma dá atenção ao louvor, à censura, ao parecer de toda a gente ou somente ao de quem porventura é médico ou instrutor de ginástica?
Críton- Só ao deste.
Sócrates- Assim, deve temer as censuras e folgar com o louvor de único e não da multidão.
Críton- Evidentemente.
Sócrates- Deve, não é assim? Conformas suas práticas, seus exercícios, sua alimentação, sua bebida, somente com a opinião do mestre e entendido, de preferência a de todos os demais juntos.
Críton- Assim é.
[47c]
Sócrates- Bem. Se desobedece àquele único, se desacata ao seu parecer e ao seu louvor, para atender ao que diz a multidão que de nada entende, não sofrerá nenhuma conseqüência ruim?
Críton- Como não?
Sócrates- Qual é essa conseqüência ruim, que extensão tem e onde atinge o desobediente?
Críton- Está-se vendo que no corpo, porque é este que ele arruina.
Sócrates- Dizes bem. Portanto, Críton, para não passarmos tudo em revista, com tudo mais se dá o mesmo. Agora, quando ao justo e ao injusto ao freio e ao belo, ao bem e ao mal, objetos desta nossa deliberação, devemos nós seguir a opinião [47d] da multidão e temê-la, ou a do único, se algum existe, entendido, a quem devemos respeitar e temer mais do que a todos os demais juntos? se não obedecermos ao qual, corromperemos e danificaremos aquilo que melhora coma justiça e se arruina com a injustiça? Ou isto não tem cabimento?
Críton- Acho que tem, Sócrates.
Sócrates- Ora, pois, se aquilo que melhora com um regime saudável e se corrompe com um regime insalubre nós arruinarmos obedecendo à opinião que não é a dos entendidos, é-nos possível viver com essa [47e] parte arruinada? É ao corpo que nos referimos, ou não?
Críton- Sim.
Sócrates- Então, é-nos possível viver com um corpo em más condições, arruinado?
Críton- De modo nenhum.
Sócrates- Podemos, porém, acaso viver depois de arruinar aquela parte que a injustiça danifica e a justiça beneficia? Ou considerarmos de menos valor que o corpo, aquela parte de nosso ser, seja qual for, [48a] com que se relaciona a injustiça e a justiça?
Críton- De modo nenhum.
Sócrates- De maior valor, então?
Críton- Muito maior.
Sócrates- Logo, meu excelente amigo, não é absolutamente com o que dirá de nós a multidão que nos devemos preocupar, mas com o que dirá a autoridade em matéria de justiça e injustiça, a única, a Verdade em si. Assim sendo, para começar, não apontas o bom caminho quando nos prescreves que nos inquietemos com o pensamento da multidão a respeito do justo, do belo, do bem e de seus contrários. A multidão, no entanto, dirá alguém, é bem capaz de nos matar.
[48b]
Críton- Isso é claro, Sócrates, haverá quem diga.
Sócrates- Decerto. Mas, meu admirável amigo, essa razão que acabamos de rever ainda me parece substancialmente a mesma de antes. Examina também se continua de pé para nós este outro princípio: que não devemos dar máxima importância ao viver, mas ao viver bem.
Críton- Continua.
Sócrates- E que viver bem, viver com honra e viver conforme a justiça é tudo um, continua de pé, ou não?
Críton- Continua.
Sócrates- Por conseguinte, partindo desses princípios nos quais concordamos, devemos averiguar se é justo que eu tente sair daqui sem [48c] permissão dos atenienses, ou injusto: se se provar que é justo, tentemos; se não, desistamos. As considerações que aduzes, de dispêndio de dinheiro, reputação, criação de filhos, Críton, cuidado não sejam na realidade especulação próprias de quem, com a mesma facilidade, mataria, e se pudesse, ressuscitaria, sem nenhum critério a saber, a multidão. Nós, porém, pois que assim recide a razão, não sujeitemos à consideração nada além do que há pouco dizíamos: se será procedimento justo dar dinheiro aos que me vão tirar daqui, suborná-los, [48d] nós mesmos promovendo a fuga e fugindo, ou se, na verdade, procederemos com injustiça em todos esses atos, se se provar que cometeremos injustiça, não será absolutamente mister indagar se devo morrer, ficando quieto aqui, ou sofrer qualquer outra pena, antes do que praticar uma injustiça.
Críton- Acho que falas com acerto, Sócrates; vê, pois o que devemos fazer.
Sócrates- Vejamo-lo juntos, meu caro, e se puderes de algum modo refutar-me,[48e] refuta-me e te obedecerei; Se não, cessa desde logo, meu boníssimo amigo, de insistir no mesmo assunto, de que preciso sair daqui contrariando os atenienses; porque dou muita importância a proceder com o teu assentimento e não mau grado teu. Vê, pois, se te parecem satisfatórios os argumentos básicos deste exame
[49a] e procura responder a minhas perguntas com a maior sinceridade.
Críton- Pois não, procurarei.
Sócrates- Asseveramos que não se deve cometer injustiça voluntária em caso nenhum, ou que em alguns casos se deve, e noutros não? Ou que de modo algum é bom nem honroso cometê-la, como tantas vezes no passado conviemos? e é o que acabamos de repetir. Porventura, todas aquelas nossas convenções de antes se entornaram nestes poucos dias e, durante tanto tempo, Críton, velhos como somos, em nossos graves entretenimentos não nos demos conta [49b] de que nada diferíamos das crianças? Ou, sem dúvida alguma é como dizíamos, quer o admita a multidão, quer não? Mais: ainda que tenhamos de experimentar momentos quer ainda mais dolorosos, quer mais suaves, o procedimento injusto, em qualquer hipóteses, não é sempre, para quem o tem, um mal e uma vergonha? Afirmamos isso ou não?
Críton- Afirmamos.
Sócrates- Logo, jamais se deve proceder contra a justiça.
Críton- Jamais, por certo.
Sócrates- Nem mesmo retribuir a injustiça com a injustiça, como pensa a multidão, pois o procedimento injusto é sempre inadmissível.
[49c]
Críton- Parece que não.
Sócrates- E daí? Devemos praticar maldades ou não, Críton?
Críton- Não devemos, sem dúvida, Sócrates.
Sócrates- Adiante. Retribuir o mal que nos fazem é justo, como diz a multidão, ou injusto?
Críton- Absolutamente injusto.
Sócrates- Sim, porque entre fazer mal a uma pessoa e cometer uma injustiça, não há diferença nenhuma.
Críton- Dizes a verdade.
Sócrates- Em suma, não devemos retribuir a injustiça, nem fazer mal a pessoa alguma, seja qual for o mal que ela nos cause. Cautela, porém,,
[49d] Críton, ao admitires esses princípios, não o faças em contradição com o teu pensamento, pois sei que essa opinião é e será de alguns poucos. Entre os que a adotam e os que a repelem não existe um ânimo comum; fatalmente se a quererão mal uns aos outros, ao verem os propósitos uns dos outros. Portanto, considera muito bem tu se comungas a minha opinião, se concordas comigo e se nossa deliberação partirá do princípio de que jamais é acertado cometer injustiça, retribuí-la, vingar pelo mal que fazemos o mal que nos fazem, ou se diverges [49e] e não co-participas do princípio. Quanto a mim, essa é opinião minha antiga, que ainda agora mantenho. Tu, porém, se tens outro sentir, fala, dá-me a conhecer; se perseveras no de outrora, presta atenção ao que aí decorre.
Críton- Persevero, concordo contigo; por isso, prossegue.
Sócrates- Passo, então, às decorrências; ou melhor, pergunto se uma convenção que se firmou com alguém, sendo justa deve ser cumprida ou traída.
Críton- Deve ser cumprida.
Sócrates- Daí, presta atenção. Saindo daqui, desobedientes à cidade, lesamos [50a] a alguém e logo a quem menos devemos lesar, ou não? E cumprimos as convenções justas que firmamos, ou não?
Críton- Não sei responder a tuas perguntas, Sócrates; não as estou compreendendo.
Sócrates- Bem, reflete no seguinte. Se, no momento em que eu estivesse para me evadir daqui, ou como quer que se diga, chegassem as Leis e a Cidade, assomassem perguntado: "Dize-nos, Sócrates: que pretendes fazer? Que outra coisa meditas, [50b] com a façanha que intentas, senão destruir-nos a nós, as Leis e toda a Cidade, na medida de tuas forças? Acaso imaginas que ainda possa subsistir e não esteja destruída uma cidade onde nenhuma força tenham as sentenças proferidas, tornadas inoperantes e aniquiladas por obra de simples particulares?" – Que responder, Críton, a essas e semelhantes perguntas? Muitos argumentos poderiam ser aduzidos, sobretudo por um orador, em defesa da lei por nós violada que estabelece a autoridade das sentenças proferidas. [50c] Acaso responderei que a Cidade me agravou, não me julgou, conforme a justiça? Direi isso? Direi o quê?
Críton- Isso mesmo, por Zeus, ó Sócrates!
Sócrates- E se então, as Leis dissessem: "Sócrates, o que convencionaste conosco foi isso, ou que submeterias ás sentenças que a Cidade proferisse?" Se me admirasse dessa pergunta, diriam, talvez: "Sócrates, não te admires de nossas perguntas, mas responde-nos, porque tu também costuma lançar mão de perguntas e respostas. Vamos, pois; qual a queixa contra nós e [50d] contra a Cidade, que te move à nossa destruição? Para começar, não fomos nós que te demos nascimento e não foi por nosso intermédio que teu pai desposou tua mãe e te gerou? Dize: apontas algum defeito naquelas dentre nós que regulam os casamentos? Achas que não estão bem feitas? – Não aponto defeitos, diria eu. – Então nas que regulam a criação e educação do filho, que também recebeste? Aquelas que de nós regem a matéria, ao mandarem que teu pai te ensinasse música
[50e] e ginástica, não o fizeram com acerto? - Fizeram, diria eu. – Bem; depois que nasceste, que te criaram e que educaram, poderia, de começo, negar que nos pertences, como filho nosso e nosso escravo, assim tu com teus ascendentes? E, se assim é, julgas ter ao menos os mesmos direitos que nós? Julgas ter o direito de fazer-nos em represália o mesmo que tentamos fazer a ti? Ora, em face do teu pai não terias os mesmos direitos, nem em face de teu amo, se amo tivesse, para retaliar o que te fizessem, nem para revidar doesto por doesto [51a], golpe por golpe, nem para outros desforços; mas, em face da pátria e das Leis, se tentarmos destruir-te por assim acharmos de justiça, terás o direito de tentar, da tua parte também, dentro das tuas forças, destruir-nos em desforra a nós, as Leis e a pátria? E dirás que, assim procedendo, obras com justiça tu, que verdadeiramente tomas a virtude a sério?! Que sabedoria é a tua, se ignoras [51b] que, acima de tua mãe, teu pai e todos os outros teus ascendentes, a pátria é mais respeitável, mais venerável, mais sacrossanta, mais estimada dos deuses e dos homens sensatos? Que se deve mais veneração, obediência e carinho a uma pátria agastada do que a um pai? Que o dever é ou dissuadi-la ou cumprir seus mandados, sofrer quietamente o que ela manda sofrer, sejam espancamentos, sejam grilhões, seja a convocação para ser ferido ou morto na guerra? Tudo isso deve ser feito e esse é o direito – não esquivar-se; não recuar; não desertar o posto; mas, quer na guerra, quer no tribunal, em toda a parte, em suma, cumpre ou executar as ordens da cidade e da pátria
[51c] ou obter a revogação palas vias criadas do direito. É impiedade usar de violência contra a mãe e o pai, mas ainda muito pior contra a pátria do que contra eles." Que responderei a isso, Críton? Que as Leis dizem a verdade, ou que não?
Críton- Acho que sim.
Sócrates- "Vê, portanto, Sócrates" diriam talvez as Leis, " temos razão em tachar de injusto o que intentas fazer-nos agora. Nós que te geramos, te criamos, te educamos, te admitimos à participação de todos os benefícios que podemos proporcionar [51d] a ti e a todos os demais cidadãos, sem embargo, proclamos termos facultado ao ateniense que o quiser, uma vez entrada na posse dos direitos civis e no conhecimento da vida pública e de nós, as Leis, se não formos de seu agrado, a liberdade de juntar o que é seu e partir para onde bem entender. Se, por não lhe agradarmos nós e a cidade, algum de vós quiser rumar para uma colônia ou quiser fixar residência [51e] em qualquer outro país, nenhuma de nós, as Leis, o impede ou proíbe de seguir para onde lhe parecer, levando o que é seu. Mas quem dentre vós aqui permanece, vendo a maneira pela qual distribuímos justiça e desempenhamos as outras atribuições do Estado, passamos a dizer que convencionou conosco de fato cumprir nossas determinações; desobedecendo-nos, é réu tresdobradamente: porque a nós que o geramos não presta a obediência; porque não o faz a nós que o criamos e porque, tendo convencionado obedecer-nos, nem obedece nem nos dissuade se incidimos nalgum erro; nós propomos, não impomos com aspereza [52a] o cumprimento de nossas ordens, e facultamos a escolha entre persuadir-nos do contrário e obedecer-nos; ele, porém, não faz nem uma coisa nem outra. Tais são os crimes, Sócrates, em que, se puserem em prática o teu plano, te declaramos incurso, mais do que os outros atenienses." Se então eu perguntasse: "Como assim?", talvez ralhassem comigo com razão, dizendo estar eu mais do que os outros atenienses preso àquele compromisso para com elas. [52b] Diriam: " Dispomos, Sócrates, de fortes provas de que nós e a cidade somos do teu agrado. Tu não terias assistido nela mais do que todos os outros atenienses, se ela não te agradasse mais do que a todos; mas nem para uma festa jamais saíste da cidade, salvo uma única vez para os jogos do Istmo; nem para qualquer lugar do exterior, a não ser como combatente; nem outra viagem jamais empreendeste, como os demais, nem te deu vontade [52c] de conhecer outras cidades e outras leis, mas nós e nossa cidade te havemos bastado, a tal ponto nos preferias e convinhas em seres cidadãos sob a nossa soberania. Por sinal que até geraste filhos nela, dando a entender que a cidade te agradava. Demais, mesmo durante o processo, se quisesses, podias obter a condenação ao exílio e fazer então, com o consentimento da cidade, o que pretendes fazer agora sem ele. Então, bravateavas tu que não te revoltarias, se houvesses de morrer; ao contrário, preferias, com declaravas, a morte ao exílio; mas agora não fazes honra àquelas palavras, nem hesitas na tentativa de [52d] aniquilar a nós, as Leis; fazes o que faria o mais vil dos escravos, tentando a fuga contra as convenções e acordos, pelos quais te obrigaste para conosco aos  de cidadão. Reponde-nos primeiro a esta pergunta: é verdade o que dizemos quando afirmamos que te obrigaste aos  de cidadão sob nosso império, não em palavras, mas de fato, ou é mentira?" – Que hei de dizer a isso, Críton? Posso discordar?
Críton- Forçosamente que não, Sócrates.
Sócrates- "Que fazes", diriam, "senão ladear as convenções e [52e] acordos que conosco firmaste sem coação, sem engodo, sem a urgência de resolver em tempo exíguo, mas através de setenta anos, durante os quais te era facultado emigrar, se nós te desprazíamos e se descobrisses serem injustas as convenções? Mas tu não preferiste nem Esparta nem Creta, que vives dizendo dotadas [53a] de boas leis, nem qualquer das outras cidades, gregas ou estrangeiras; daqui não te afasta-te mais do que os coxos, os cegos e outros mutilados, tanto, mais do que aos outros atenienses, te agradava a cidade, bem como nós, as Leis, evidentemente; pois a que agradaria uma cidade com exceção das leis? Agora, porém, não é? não manténs os compromissos! Sim, Sócrates, tu os manterás, se nos atenderes, e não te sujeitarás ao ridículo de abandonar a cidade. Vamos, reflete; ladeando os compromissos e cometendo semelhante falta, que benefício trarás para ti e para[53b] teus amigos? Que teus amigos também correrão o perigo serem exilados e privados de cidadania e de seus bens, está fora de dúvida; quanto a ti, para começar, se partires para uma das cidades mais próximas – digamos Tebas ou Mégara, que ambas têm boas leis- ali entrarás, Sócrates, como inimigo de suas instituições; todos quanto zelam por suas cidades te olharão de través, como um destruidor das leis; consolidarás a reputação de teus juízes,
[53c] de sorte que pareçam haver-te julgado escorreitamente, porque todo violador das leis bem pode ser tido como corruptor dos jovens e dos levianos. Ou acaso evitarás, as cidades de boas leis e os homens mais morigerados? E valerá a pena viveres com esse comportamento? Ou entrarás em contato com eles e discorrerás, sem acanhamento… sobre o que, Sócrates? Sobre os teus assuntos daqui? Sobre o supremo valor que tem para a humanidade a virtude, a justiça, assim como a legalidade e as leis? E não achas que o papel de Sócrates se manifestará indecoroso? [53d] Tens de achar. Admitamos que, afastando-se desses lugares, vás para a Tessália, para junto dos hóspedes de Críton, porque lá sobeja a desordem e a licença, e quiçá gostariam de te ouvir contar como foi cômica a tua fuga da prisão, travestido, metido num surrão de couro ou noutro disfarce habitual dos evadidos, e dissimulando esse jeito que é teu. Não haverá quem diga que, homem de idade, com pouco tempo provável de vida, não te pejaste de te agarres tão pegajosamente à existência, burlando as leis mais veneráveis? [53e] Talvez, se não magoares a ninguém; caso contrário, irás ouvir, Sócrates, indignidades incontáveis. Viverás de granjear o favor de toda gente, assujeitado, a fazer o quê? senão levar a vida regalada na Tessália como se lá tivesse ido para um banquete? E aquelas palestras sobre a
[54a] justiça e outras formas de virtude? Por onde nos andarão elas? Oh! sim, é por amor dos filhos que desejas viver, para os criares e educares! Mas, daí? Vais levá-los para Tessália, torná-los estrangeiros de criação e formação, para que te fiquem devendo mais esse benefício? Ou não será assim? Será que, estando tu vivo e sendo eles criados aqui, terão melhor criação e formação sem a tua companhia, pois teus amigos é quem cuidarão deles? Então, se partires para a Tessália, eles cuidarão, mas não hão de cuidar se partires para o Hades? Se tem algum préstimo deveras [54b] os que protestam, amizade, hás de admitir que sim. Não, Sócrates; ouve-nos a nós que te criamos: não sobreponhas à justiça nem teus filhos, nem tua vida, nem qualquer outra coisa, para que, chegado ao Hades, possa alegas todas essas justificações perante os que lá governam. Está claro que, com aquele procedimento, aqui não será melhor, nem mais justo, nem mais pio, para ti nem para nenhum dos teus; nem lá será melhor, quando tiveres chegado. Presentemente, partirás,
[54c] se partires vítima de injustiça, não nossa, das Leis, mas dos homens; se porém te evades, retribuindo assim vergonhosamente a injustiça, o dano com o dano, logrando próprios compromissos e acordos conosco, em detrimento daqueles a quem menos devias lesar, de ti próprio, de teus amigos, da tua pátria e nosso, nós, enquanto viveres, estaremos indignadas contigo e, lá embaixo, nossas irmãs, Leis do Hades, não hão de te acolher com benevolência, sabedoras do que nos procuraste arruinar [54d] na medida de tuas forças. Oh! Não! não possa mais Críton persuadir-te a fazer o que ele dirá com mais força do que nós !" Essa recriminação, Críton, meu querido companheiro, fica certo, parece-me que as estou ouvindo, tal como aos coribantes parece estarem ouvindo o som das flautas; é a ressonância mesma dessas palavras que zumbe no meu íntimo e não me deixa ouvir a outrem. Por isso, acredita-me, tanto quanto creio agora, o que disseres em sentido diverso, di-lo-ás em vão. No entanto, se esperas algum resultado, podes falar.
Críton- Não, Sócrates; não tenho o que dizer.

[54e]
Sócrates- Então desistem, Críton, procedamos daquela forma, porque tal é o caminho por onde a divindade nos guia. 

sábado, 21 de abril de 2012

O Direito Penal como sistema mantenedor do status quo, por Marcelo Cunha de Araújo

Neste interessante ensaio o Professor Marcelo Cunha de Araújo (PUC Minas) expõe o que chama de "papel verdadeiro" dos operadores do Sistema Penal Brasileiro: a manutenção do status quo de uma classe privilegiada, assegurando privilégios a partir do discurso jurídico. Afora a questão ética, existe aqui uma questão de justiça no que tange às normas penais. São elas que promovem a explicita desigualdade de tratamento em relação à punição de crimes que, na prática, se referem a classes sociais diferentes. Segue o link do ensaio: