sábado, 20 de julho de 2013

O procedimentalismo jurídico: fim ou meio da justiça?

Nenhum comentário eminentemente jurídico, assim como nenhuma abordagem jurídica sob qualquer assunto usualmente perde de vista a ideia de procedimento. Não existe nada mais lugar-comum no direito contemporâneo do que a apologia do procedimento jurídico. De fato, ideias como a de isonomia, contraditório e ampla defesa se transformaram em um grande trunfo e valores sagrados das sociedades contemporâneas, ou Estados Democráticos de Direito. A expectativa de lado a lado, é que o procedimento não é simplesmente um meio para atingir um fim qualquer, mas é já um fim em si mesmo. Segundo esta perspectiva, a justiça estaria no próprio procedimento jurídico pouco ou nada importando os resultados que dali poderiam decorrer. 


Uma abordagem crítica sobre o assunto, entretanto, não poderia deixar de perguntar sobre o fundamento dessa lógica processual de se pensar o direito. É que não seria igualmente possível pensar o direito não como um corpo de procedimentos, mas numa perspectiva mais substancial, como um simples meio para atingir um fim maior, um bem comum? Não parece também óbvio que o procedimento jurídico pode acabar por gerar verdadeiras injustiças do ponto de vista substancial? Não é mesmo verdade que a comunidade usualmente se investe de um forte sentimento de injustiça quando vê que um homicida acabou se livrando da prisão por falta de provas, por excesso de recursos, por manobras processuais da defesa e coisas que o valha? Diante de tudo isso, a pergunta mais óbvia e necessária é a seguinte: o que levam as sociedades contemporâneas a  apostarem tanto no procedimento jurídico?


Para responder a todas essas perguntas, todavia, é necessário começar pelo começo. Ora,, qual a  outra abordagem sobre o direito que, sendo possível, contrasta com a procedimental? Eu diria que contra a ideia de procedimentalismo, pode-se levantar a bandeira da primazia bem-comum. Esta ideia do bem, para fazer justiça ao título da postagem, equivale à ideia do procedimento como um simples meio para um bem maior da comunidade, e não, assim, como um fim em si mesmo. Segunda esta perspectiva, o direito e o procedimento jurídico não tem grande importância, já que é mero instrumento para a promoção do bem da comunidade. Se levarmos às últimas consequências a ideia da justiça como meio, aliás, a própria ideia de procedimento perde o sentido, vez que o procedimento pode ser mesmo deixado de lado se isso ajudar a promover o bem da comunidade. Por exemplo, caso exista um grupo de indivíduos na comunidade que se comportam de tal modo que corroem os valores e objetivos da comunidade, esse grupo deve ser eliminado da comunidade. A justiça seria responsável tão somente por cumprir e promover a prisão, expulsão ou morte daquele grupo que ataca o bem da comunidade. A justiça seria somente a instâncias social capaz de promover aqueles fins da comunidade. Esta concepção da justiça, ao contrário da visão procedimental, é mais sensível às injustiças do ponto de vista do bem-comum da comunidade.

É evidente, então, que existe ao menos uma outra concepção da justiça que se opõe ao procedimentalismo jurídico contemporâneo. Daí a necessidade de fornecer uma resposta satisfatória à última pergunta formulada no início do texto: por que, afinal, as sociedades contemporâneas primam pela concepção de justiça como procedimento? 

Esta pergunta, é claro, não poderia ser respondida de forma acabada nessas poucas linhas, mas, como também não quero deixar o leitor frustado com a falta de resposta, gostaria de apostar em um ponto: o pluralismo contemporâneo. As sociedades contemporâneas não possuem mais, como se tinha na antiguidade, uma coesão de valores e de modos de vida.  Nos dias de hoje, já não é mais tão simples traçar uma concepção substancial de bem comum da comunidade. As comunidades contemporâneas se constituem a partir dos mais diferentes modos de vida e visões de vida boa. Esse é um ponto crucial para desvelar os motivos da aposta na concepção procedimental de justiça, aquela pela qual o procedimentalismo jurídico é o fim último da justiça. Isso porque a concepção de justiça que se opõe a ela, qual seja, a justiça como meio para a promoção do bem da comunidade, pressupõe que a comunidade tenha uma concepção coesa de bem-comum, uma concepção uníssona sobre qual é a melhor forma de viver e quais são os valores que devem ser promovidos pelo comunidade.

Não temos mais essa coesão de valores e modos de vida. O pluralismo é mais que um ideia, é um fato das sociedades contemporâneas. Parece ser este o motivo da contemporaneidade apostar tanto no procedimento jurídico: se não é mais possível dizer a que fins de justiça perseguimos enquanto comunidade, ao menos é possível traçar um corpo procedimental que proteja o indivíduo frente às arbitrariedades estatais que poderiam tonar impossível a sua realização individual da sua concepção subjetiva do que é o bem.