sábado, 2 de novembro de 2013

CURSO: Teoria da Argumentação Jurídica FAJE \ EJEF

Compartilho abaixo o ótimo curso de Teoria da Argumentação Jurídica ministrado pelo Professor Marcelo Campos Galuppo (UFMG \ PUC Minas). No curso, ministrado principalmente para juízes, o professor trata  especialmente dos usos dos princípios jurídicos nas decisões judiciais. 

sábado, 20 de julho de 2013

O procedimentalismo jurídico: fim ou meio da justiça?

Nenhum comentário eminentemente jurídico, assim como nenhuma abordagem jurídica sob qualquer assunto usualmente perde de vista a ideia de procedimento. Não existe nada mais lugar-comum no direito contemporâneo do que a apologia do procedimento jurídico. De fato, ideias como a de isonomia, contraditório e ampla defesa se transformaram em um grande trunfo e valores sagrados das sociedades contemporâneas, ou Estados Democráticos de Direito. A expectativa de lado a lado, é que o procedimento não é simplesmente um meio para atingir um fim qualquer, mas é já um fim em si mesmo. Segundo esta perspectiva, a justiça estaria no próprio procedimento jurídico pouco ou nada importando os resultados que dali poderiam decorrer. 


Uma abordagem crítica sobre o assunto, entretanto, não poderia deixar de perguntar sobre o fundamento dessa lógica processual de se pensar o direito. É que não seria igualmente possível pensar o direito não como um corpo de procedimentos, mas numa perspectiva mais substancial, como um simples meio para atingir um fim maior, um bem comum? Não parece também óbvio que o procedimento jurídico pode acabar por gerar verdadeiras injustiças do ponto de vista substancial? Não é mesmo verdade que a comunidade usualmente se investe de um forte sentimento de injustiça quando vê que um homicida acabou se livrando da prisão por falta de provas, por excesso de recursos, por manobras processuais da defesa e coisas que o valha? Diante de tudo isso, a pergunta mais óbvia e necessária é a seguinte: o que levam as sociedades contemporâneas a  apostarem tanto no procedimento jurídico?


Para responder a todas essas perguntas, todavia, é necessário começar pelo começo. Ora,, qual a  outra abordagem sobre o direito que, sendo possível, contrasta com a procedimental? Eu diria que contra a ideia de procedimentalismo, pode-se levantar a bandeira da primazia bem-comum. Esta ideia do bem, para fazer justiça ao título da postagem, equivale à ideia do procedimento como um simples meio para um bem maior da comunidade, e não, assim, como um fim em si mesmo. Segunda esta perspectiva, o direito e o procedimento jurídico não tem grande importância, já que é mero instrumento para a promoção do bem da comunidade. Se levarmos às últimas consequências a ideia da justiça como meio, aliás, a própria ideia de procedimento perde o sentido, vez que o procedimento pode ser mesmo deixado de lado se isso ajudar a promover o bem da comunidade. Por exemplo, caso exista um grupo de indivíduos na comunidade que se comportam de tal modo que corroem os valores e objetivos da comunidade, esse grupo deve ser eliminado da comunidade. A justiça seria responsável tão somente por cumprir e promover a prisão, expulsão ou morte daquele grupo que ataca o bem da comunidade. A justiça seria somente a instâncias social capaz de promover aqueles fins da comunidade. Esta concepção da justiça, ao contrário da visão procedimental, é mais sensível às injustiças do ponto de vista do bem-comum da comunidade.

É evidente, então, que existe ao menos uma outra concepção da justiça que se opõe ao procedimentalismo jurídico contemporâneo. Daí a necessidade de fornecer uma resposta satisfatória à última pergunta formulada no início do texto: por que, afinal, as sociedades contemporâneas primam pela concepção de justiça como procedimento? 

Esta pergunta, é claro, não poderia ser respondida de forma acabada nessas poucas linhas, mas, como também não quero deixar o leitor frustado com a falta de resposta, gostaria de apostar em um ponto: o pluralismo contemporâneo. As sociedades contemporâneas não possuem mais, como se tinha na antiguidade, uma coesão de valores e de modos de vida.  Nos dias de hoje, já não é mais tão simples traçar uma concepção substancial de bem comum da comunidade. As comunidades contemporâneas se constituem a partir dos mais diferentes modos de vida e visões de vida boa. Esse é um ponto crucial para desvelar os motivos da aposta na concepção procedimental de justiça, aquela pela qual o procedimentalismo jurídico é o fim último da justiça. Isso porque a concepção de justiça que se opõe a ela, qual seja, a justiça como meio para a promoção do bem da comunidade, pressupõe que a comunidade tenha uma concepção coesa de bem-comum, uma concepção uníssona sobre qual é a melhor forma de viver e quais são os valores que devem ser promovidos pelo comunidade.

Não temos mais essa coesão de valores e modos de vida. O pluralismo é mais que um ideia, é um fato das sociedades contemporâneas. Parece ser este o motivo da contemporaneidade apostar tanto no procedimento jurídico: se não é mais possível dizer a que fins de justiça perseguimos enquanto comunidade, ao menos é possível traçar um corpo procedimental que proteja o indivíduo frente às arbitrariedades estatais que poderiam tonar impossível a sua realização individual da sua concepção subjetiva do que é o bem.

terça-feira, 26 de março de 2013

Entrevista de Michael Sandel para a Globo News

Um grande filósofo político da contemporaneidade examinando e discutindo os problemas políticos das sociedades atuais. Destaque também para a excelente condução do jornalista Jorge Pontual. Confira abaixo o vídeo da entrevista completa com legendas em português:

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

E como seria uma Teoria Pura da Argumentação Jurídica?


Hans Kelsen (1881-1973)
Nenhuma abordagem do direito está mais em voga nos dias de hoje do que a das teorias da argumentação jurídica. Na teoria do direito, entusiastas das teorias argumentativas de Dworkin, Alexy, etc, debatem de forma calorosa qual deve ser a forma mais adequada de se argumentar juridicamente. Elas são, então, teorias normativas da argumentação jurídica, isto é, pretendem elaborar princípios que devem nortear a argumentação nos tribunais. Essas teorias estão menos interessadas em como é faticamente a argumentação jurídica, do que como ela deve ser.

Em meio a todo esse debate acadêmico, poderia-se brincar perguntando: como se dá a argumentação jurídica na prática? E se quiséssemos apenas descrever o que ela é faticamente ao invés de enunciarmos juízos de valor dizendo como ela deve ser?

Para tentar mostrar como é de fato a argumentação jurídica, seria interessante que nos atentássemos para o que disse um famoso filósofo do direito: Hans Kelsen. Ainda em 1934, Kelsen propôs uma teoria pura para o direito. Ele pretendeu elaborar uma teoria do direito, uma ciência, que descrevesse tão somente aquilo que é o especificamente jurídico. O direito, em si, jamais é puro, pois sofre influência de outros ramos do conhecimento, razão pela qual não há que se falar em uma teoria do direito puro, mas em uma teoria pura do direito.

Assentado no relativismo filosófico, Kelsen pretendia que a sua teoria fosse capaz de descrever o direito sem emitir nenhum juízo de valor, mas apenas mostrando o direito tal como ele é. Para o filósofo, somente assim se poderia conhecer bem o direito, já que os juízos de valor são sempre particulares, não existindo uma moral absoluta. Guiado por esses princípios, Kelsen pôde concluir alguns fatos sobre o direito, tal como a ligação intrínseca entre direito e sanção jurídica e a característica do direito de se limitar a regular as ações externas das pessoas. O filósofo alemão, todavia, acreditava que não existia critérios argumentativos pelos quais se pudesse preterir determinada decisão judicial a outra. Para ele, então, não é possível uma teoria pura da argumentação jurídica.

Mas como seria um teoria pura da argumentação jurídica? Para sermos consequentes com a ideia de Kelsen, não podemos emitir juízos de valor, mas tão somente descrever como se dá a argumentação jurídica.   Eu tenho uma pista. Acho que são muitas as evidências, por exemplo, de que, na argumentação jurídica, em verdade, os argumentos de autoridade possuem um lugar especial.

Vejamos um caso prático. Certa vez fui ao fórum de Belo Horizonte vestido com uma calça jeans e uma blusa pólo (portanto, sem terno). Fui parado à porta por um segurança, o qual pediu a minha identidade. Perguntei o porquê daquilo. Talvez por isso ele questionou: "você é advogado?" Eu disse apenas "sim" sem mostrar nenhum documento, ao que a minha passagem foi imediatamente liberada. Ora, o fórum é um espaço democrático, não faz sentido tratar os pares de forma diferente, não faz sentido, no caso, não identificar juristas, ao passo que dificulta a entrada de outros cidadãos. O que está em jogo não é o que você argumenta ou que você faz, mas quem você é. O seu significado está atrelado à sua posição e não à sua argumentação.

Mas temos outros fatos na argumentação jurídica. Seguindo a ideia descritiva de Kelsen, a argumentação jurídica nos parece também estar envolta do chamado "argumentum ad hominem". Esse tipo de argumento visa não discutir as ideias em questão, mas tão somente desqualificar a pessoa que está argumentando. A depender de quem fala (do seu status social, títulos, etc) os seus argumentos já são desqualificados de início, não sendo levados em conta. Conto outro caso. Certa vez, em uma reunião com alguns professores de direito para se discutir uma questão muito delicada e controversa, tive que escutar algo como "um jovem como você, quem pensa que é para propor isso?" de um jurista que discordava do que eu disse. Quando questionei se o debate estava levando em conta quem eu era ou se o que estava sendo discutido eram as ideais, os demais professores colocaram panos quentes e concordaram que eram as ideias que estavam sendo discutidas. A decisão colegiada final, todavia, favoreceu a pessoa que usou daquele argumento. Coincidência? Talvez.

A lógica clássica classifica esses tipos de "argumentos" não como argumentos em sentido estrito, mas como  "falácias", isto é, como argumentos logicamente inconsistentes ou sem validade. É surpreendente como somos levados a aceitar tal irracionalidade logo onde a razão do argumento é mais importante para fins de se fazer justiça, isto é, na argumentação jurídica.. Talvez uma inspiração realista kelsiana seja necessária para mostrar primeiramente a realidade jurídica que as teorias normativas devem dar conta; ou talvez o mundo jurídico esteja mesmo sempre um passo atrás da racionalidade científico-filosófica. Se assim for, pior para o direito.