segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

E como seria uma Teoria Pura da Argumentação Jurídica?


Hans Kelsen (1881-1973)
Nenhuma abordagem do direito está mais em voga nos dias de hoje do que a das teorias da argumentação jurídica. Na teoria do direito, entusiastas das teorias argumentativas de Dworkin, Alexy, etc, debatem de forma calorosa qual deve ser a forma mais adequada de se argumentar juridicamente. Elas são, então, teorias normativas da argumentação jurídica, isto é, pretendem elaborar princípios que devem nortear a argumentação nos tribunais. Essas teorias estão menos interessadas em como é faticamente a argumentação jurídica, do que como ela deve ser.

Em meio a todo esse debate acadêmico, poderia-se brincar perguntando: como se dá a argumentação jurídica na prática? E se quiséssemos apenas descrever o que ela é faticamente ao invés de enunciarmos juízos de valor dizendo como ela deve ser?

Para tentar mostrar como é de fato a argumentação jurídica, seria interessante que nos atentássemos para o que disse um famoso filósofo do direito: Hans Kelsen. Ainda em 1934, Kelsen propôs uma teoria pura para o direito. Ele pretendeu elaborar uma teoria do direito, uma ciência, que descrevesse tão somente aquilo que é o especificamente jurídico. O direito, em si, jamais é puro, pois sofre influência de outros ramos do conhecimento, razão pela qual não há que se falar em uma teoria do direito puro, mas em uma teoria pura do direito.

Assentado no relativismo filosófico, Kelsen pretendia que a sua teoria fosse capaz de descrever o direito sem emitir nenhum juízo de valor, mas apenas mostrando o direito tal como ele é. Para o filósofo, somente assim se poderia conhecer bem o direito, já que os juízos de valor são sempre particulares, não existindo uma moral absoluta. Guiado por esses princípios, Kelsen pôde concluir alguns fatos sobre o direito, tal como a ligação intrínseca entre direito e sanção jurídica e a característica do direito de se limitar a regular as ações externas das pessoas. O filósofo alemão, todavia, acreditava que não existia critérios argumentativos pelos quais se pudesse preterir determinada decisão judicial a outra. Para ele, então, não é possível uma teoria pura da argumentação jurídica.

Mas como seria um teoria pura da argumentação jurídica? Para sermos consequentes com a ideia de Kelsen, não podemos emitir juízos de valor, mas tão somente descrever como se dá a argumentação jurídica.   Eu tenho uma pista. Acho que são muitas as evidências, por exemplo, de que, na argumentação jurídica, em verdade, os argumentos de autoridade possuem um lugar especial.

Vejamos um caso prático. Certa vez fui ao fórum de Belo Horizonte vestido com uma calça jeans e uma blusa pólo (portanto, sem terno). Fui parado à porta por um segurança, o qual pediu a minha identidade. Perguntei o porquê daquilo. Talvez por isso ele questionou: "você é advogado?" Eu disse apenas "sim" sem mostrar nenhum documento, ao que a minha passagem foi imediatamente liberada. Ora, o fórum é um espaço democrático, não faz sentido tratar os pares de forma diferente, não faz sentido, no caso, não identificar juristas, ao passo que dificulta a entrada de outros cidadãos. O que está em jogo não é o que você argumenta ou que você faz, mas quem você é. O seu significado está atrelado à sua posição e não à sua argumentação.

Mas temos outros fatos na argumentação jurídica. Seguindo a ideia descritiva de Kelsen, a argumentação jurídica nos parece também estar envolta do chamado "argumentum ad hominem". Esse tipo de argumento visa não discutir as ideias em questão, mas tão somente desqualificar a pessoa que está argumentando. A depender de quem fala (do seu status social, títulos, etc) os seus argumentos já são desqualificados de início, não sendo levados em conta. Conto outro caso. Certa vez, em uma reunião com alguns professores de direito para se discutir uma questão muito delicada e controversa, tive que escutar algo como "um jovem como você, quem pensa que é para propor isso?" de um jurista que discordava do que eu disse. Quando questionei se o debate estava levando em conta quem eu era ou se o que estava sendo discutido eram as ideais, os demais professores colocaram panos quentes e concordaram que eram as ideias que estavam sendo discutidas. A decisão colegiada final, todavia, favoreceu a pessoa que usou daquele argumento. Coincidência? Talvez.

A lógica clássica classifica esses tipos de "argumentos" não como argumentos em sentido estrito, mas como  "falácias", isto é, como argumentos logicamente inconsistentes ou sem validade. É surpreendente como somos levados a aceitar tal irracionalidade logo onde a razão do argumento é mais importante para fins de se fazer justiça, isto é, na argumentação jurídica.. Talvez uma inspiração realista kelsiana seja necessária para mostrar primeiramente a realidade jurídica que as teorias normativas devem dar conta; ou talvez o mundo jurídico esteja mesmo sempre um passo atrás da racionalidade científico-filosófica. Se assim for, pior para o direito.